Incomuns

São Bento em Foco
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No último domingo à tarde, resolvi ir ao cinema. Sair de casa no primeiro dia da semana com ares de último. Ir a um cinema pequeno, que seja antigo, ou uma sala nova dedicada a filmes e cineastas diferentes do pacote comum que circula nas salas de shopping é um alívio.

Vez por outra, até que um supersucesso atrai, diverte e apresenta alguma história original. Só que, em épocas tão clichês, cheias de efeitos especiais, inteligência artificial e tanta coisa mais, tudo parece igual demais e se padece com a falta de criatividade e de um roteiro que traga um pouco de luz e afeto à vida.

Como se não bastasse o genocídio em Gaza, a destruição da Ucrânia, as balas matando inocentes nas periferias do Brasil, os filmes e os telejornais estão cheios de tiro, de sangue e miolos explodindo. O simbolismo do excremento. A glorificação do grotesco. Quanto mais idiotices e ódio mais likes, mais monetização, mais subida na bolsa de valores e ganhos bilionários.

Estou me tornando uma fugitiva. Nunca pensei. Driblando a hiperconectividade. Desligando-me das infovias. Aprendendo a responder apenas a reciprocidade dos afetos.

E neste domingo, vendo o filme As Aventuras de uma sa na Coreia, do diretor Hong Sang-Soo, eu fiquei pensando nas pessoas incomuns com quem já convivi e ainda convivo.

Não tenho uma definição de incomum, só sei sentir quando encontro uma pessoa assim. Acho que a aridez do mundo encaixotado faz com que algumas pessoas construam um universo particular. Assim como aquele asteroide B-612 descrito pelo escritor Antoine de Santi-Exupéry. Ou como aquelas asas nos pés, criadas por Ziraldo, para o personagem Menino Maluquinho.

Às vezes é preciso ter uma linguagem igual a do Marcelo, Marmelo, Martelo da Ruth Rocha. É preciso em momentos inventar um mundo habitável, com um chão de singularidades para tornar a existência possível.

Eu tenho muita sorte por me conectar em alguns momentos aos incomuns. Seja andarilho ou tecelão de um casulo. Seja aquela moradora de rua de meu bairro que profetiza para o vento. O difícil mesmo é preservar o extraordinário em nós numa cultura predadora.

Quando eu observo o horror de migrantes sendo caçados nas ruas, fico com muita vontade de inventar um mundo possível para que ninguém tivesse que deixar sua pátria por segurança, um prato de comida. Ou que ninguém tivesse que ser violentado por ser “diferente” ou ainda querer habitar e existir noutras culturas.

As pessoas incomuns que conheci e com as quais cruzo têm, de certo modo, algo chamado utopia, que se expressa de diferentes modos. Ou que nem se manifesta, porém está lá, existe e transcende. Elas carregam sonhos que, de algum modo, explodem como fogos de artifício.

Na adolescência dois amigos incomuns me mostraram belezas que eu não teria ado sem eles. Assim como a personagem do filme do diretor coreano, meus incomuns iam tecendo, muitas vezes, a duras penas, a singularidade de seus os. Numa época em que as pessoas não eram tão obsessivas com a criação de fachadas para si mesmas.

Ser incomum não é ser um narcisista. Dos incomuns que encontrei nesta vida, percebi algo muito constante: o desejo de ser amado e respeitado mesmo não cabendo nos uniformes.

Pessoas incomuns que encontrei no caminho não precisavam explicar seu jeito de ser… Elas foram e muitas continuam sendo apenas elas mesmas, sem precisar assim de muita explicação.

*Coluna publicada originalmente na edição impressa do dia 13 de junho de 2025.


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A União

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